Os Idosos Advogados e suas Amantes*
Publicado em 14 de maio de 2022
Tags: Direito no Alvo, Repositório Institucional
Antigamente, todos os advogados mantinham uma relação extraconjugal. Todos tinham conhecimento desta peripécia, inclusive as esposas. Algumas delas, no início, rebelavam-se, outras aceitavam, ainda que relutassem.
Os advogados escolhiam suas amantes ainda na graduação ou, quando muito, após iniciarem no exercício da profissão.
A forma de escolha da amante se dava de maneira inusitada. Começava apreciando-a ainda em exposição, tendo da amante uma visão completa. Suas formas, sua elegância, seu brilho, sua honradez, sua comodidade, seu silêncio, sua manutenção, sua agilidade e, principalmente, sua economia e maciez.
Costumavam também escolher a amante pelo nome, por seu sucesso, pelo tamanho e pela leveza. Vinham elas sempre sob um manto, e o maior prazer era desnudá-la, acariciar suas formas arredondadas e lustrosas, um verdadeiro prazer. Maltrata-la ou feri-la jamais!
Com o passar dos tempos, com carinhos e intimidades recíprocas, advogado e amante tornavam-se uma só pessoa, numa perfeita simbiose, o advogado com o saber e a amante auxiliando-o em suas tarefas.
O relacionamento se tornava tão intenso que o advogado passava mais tempo com sua amante do que com sua esposa. Estavam sempre juntos, quer seja na parte da manhã, na parte da tarde, ou nas noites e madrugadas infindáveis, até nos finais de semana! O mais interessante e o que mais vangloriava o advogado é que a amante sempre estava disposta, jamais reclamava. A qualquer hora, fosse de dia ou de noite, estava sempre preparada para contribuir com o advogado, assimilando novas ideias, novas alegações, novas razões ou contrarrazões, minutas ou contraminutas.
Contudo, apesar de tantas qualidades e fidelidade, tinha a amante suas imperfeições. Era extremamente geniosa, costumava não escrever ou às vezes se negava em permanecer de salto alto. Costumava-se em acessos de fúria quando tocada de forma inconveniente, manchando as mãos do advogado, os papéis, as canetas, a mesa e tudo o mais em volta de uma cor rubro-negra, o que obrigava o advogado a repensar e mudar de estratégia. Quando disposta, e o que lhe era peculiar, no final de cada frase, emitia um sonoro “pilins”, alertando ao advogado de que estava ali, que estava presente como amante e companheira, trabalhando incansavelmente, independentemente do dia, da hora e do local. Desconhecia a indisponibilidade ou o famoso jargão “Sistema indisponível no momento. Acesse o nosso portal”, por estes e outros motivos, tinha de ser respeitada e admirada.
De vez em quando, em razão de tanta dedicação e afinidade, necessitava de pequenas cirurgias, o que deixava o advogado completamente transtornado e apreensivo, isso até seu retorno. No entanto, quando voltava, estava ainda mais macia. Sempre prestativa e obstinada, fato este que deixava o advogado exuberante.
Quando ainda operante no auxilio das transcrições, não admitia, de forma alguma, como se utiliza atualmente o Ctrl+c e o Ctrl+v. Certamente ela diria que a transcrição haveria de ser fiel, porque somente desta maneira o advogado entenderia a essência da decisão. Também se ainda operante, se surpreenderia com a maneira hilária de utilização do Ctrl+c e Ctrl+v quando das transcrições de decisões, principalmente aquelas citadas por analogia e muitas vezes ultrapassadas. Obviamente afirmaria: se não há essência, muito menos inteligência, há na verdade comodidade.
Espantar-se-ia com as inúmeras repetições, e indisponibilidade, numa clara demonstração de impessoalidade, dizendo incrédula e inocentemente ao advogado: se nem mesmo assinam pessoalmente, como querem credibilidade? Seriam fatos inexplicáveis para uma amante acostumada e preparada por muitos anos para o exercício da inteligência, da criatividade e da pessoalidade. Diria ela confidencialmente ao advogado, seu amante: “não fui somente amante de advogados, mas também de juízes, promotores, contadores e delegados, além de outros. Atualmente estou ultrapassada, encostada em cantos. Jovens advogados não me conhecem e tampouco irão me conhecer. Às vezes mencionam minhas façanhas e por esse motivo citam aleatoriamente minha marca, mas é como se eu não tivesse existido”.
E continua finalizando com plena convicção: “Durante anos, apesar de mecânica, fui guiada pela criatividade, pelo estudo, pela sabedoria, pela pertinência, pela fidelidade e pelo incansável trabalho. Saibam os mais jovens que contribuí para a essência do direito. Jamais eu e meus amantes nos acomodamos. Naqueles tempos, jamais utilizaríamos o Ctrl+c e Ctrl+v, mesmo se houvesse esta possibilidade”.
* Texto publicado na Coluna Direito no Alvo na edição de 18/05/2021.
Guilherme L. L. Boelsums (In memoriam)
Vice-Diretor e Professor da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (FDCL) e Advogado.