Pedofilia e abuso sexual – Dayane Antonaci Moreira  Gonçalves

Publicado em 07 de outubro de 2017

Em 2015, foram constatadas pelo Disque-Denúncia Nacional da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 42.114 denúncias de violência contra crianças e adolescentes, destas, 34% são contra crianças entre 0 e 7
anos, 39% contra crianças e adolescentes entre 8 e 14 anos, e os outros 14 % contra adolescentes de 15 a 17 anos.

O artigo 217- A do Código Penal Brasileiro declara que manter relações sexuais com menores de 14 anos, independentemente do consentimento dos mesmos, constitui crime, definido como estupro de vulnerável, e tem como pena de oito a quinze anos de reclusão. Este artigo, normalmente associado com a pedofilia, causa muita confusão na sociedade, que não compreende os seus aspectos fundamentais.
A palavra pedofilia deriva do grego antigo, em especifico das palavras "ΠΑΙΔΊ" e "ΦΙΛΕΩ"e significa nada mais que “amor pela criança”. Portanto, quando se fala de pedófilo entende-se quem sente atrações por crianças e pela sua inocência.
Esse tipo de atração pode nunca causar dano para a criança, para a sociedade ou mesmo para o indivíduo.

Porém, se este tipo de atração levar o pedófilo ater problemas durante as relações sexuais com seus pares ou a não se controlar a tal ponto de molestar uma criança, não estamos mais nos relacionando com a simples pedofilia, mas sim de um verdadeiro transtorno sexual, e deve-se procurar um tratamento médico-psicológico.
Sendo assim, resta claro que não necessariamente um pedófilo pratica o crime tipificado pelo código penal, podendo ele ter atração, mas em momento algum chegar a praticar algum ato nocivo contra uma criança.

Da mesma forma, o citado crime não é praticado somente por pedófilos, pois, no começo da adolescência, as crianças podem aparentar um corpo similar ao corpo de um adulto, levando uma pessoa comum a praticar atos sexuais com um vulnerável, neste caso, o referido molestador, não pode ser definido como pedófilo, pois não se sentiu atraído por ser a vitima uma criança, mas por tal criança aparentar mais velha e evoluída.

Após essa primeira explicação, é normal entender que um crime seja mais ou menos desprezível do que outro, e isto causa mais confusão para a compreensão de tal crime.

Para uma visão mais clara, devemos dividir primeiramente as vítimas em duas categorias, as crianças e os pré-adolescentes com corpo desenvolvido, ambos inocentes.

No primeiro caso, de acordo com o estudo reportado no artigo “IMPACT OF SEXUAL ABUSE ON CHILDREN: A REVIEW AND SYNTHESIS OF RECENT EMPIRICAL STUDIES” realizado por Kathleen A. Kendall-Tackett, Linda Meyer Williams e David Finkelhor, publicado no PsychologicalBulletin, Vol 113(1), em janeiro de 1993, nas
paginas 164-180, que analisaram como o próprio titulo do artigo explica "os impactos do abuso sexual em crianças", os sintomas mais comuns de crianças nesta faixa etária são ansiedade, pesadelo, transtorno de estresse pós-traumático e comportamento sexual inapropriado.Em outros artigos é também possível perceber que o abuso leva as vítimas a falta de prazer sexual ou de autonomia na idade adulta para viver de maneira adequada em uma sociedade.

É perceptível nestes casos uma grande mobilidade da sociedade, que analisa e percebe as vítimas como realmente inocentes e desta forma considera condenável o comportamento do agressor.

O segundo caso, deve-se porém perceber, que o iniciar de um desenvolvimento físico da vitima, não quer dizer um desenvolvimento completo dos órgãos e de suas capacidades cognitivas para que uma relação sexual seja realizada
sem nenhuma sequela.

De acordo com o artigo "As possíveis consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes", de Bruno Ricardo Bérgamo Florentino, da Universidade Federal de São João del-Rei, publicado na Rev. Psicol. [online]. 2015, vol.27, n.2, pp.139-144, são muitos os resultados físicos e psíquicos das relações
sexuais com crianças e adolescentes.

Entre eles, é necessário destacar as lesões físicas recorrentes: "(..) lesões genitais; lesões anais; gestação, doenças sexualmente transmissíveis; disfunções sexuais; hematomas; contusões e fraturas. Usualmente, a vítima sofre com ferimentos advindos de tentativas de enforcamento; lesões genitais que não se dão somente pela
penetração e sim por meio da introdução de dedos e objetos no interior da vagina das vítimas, (…) lacerações dolorosas e sangramento genital; irritação da mucosa da vagina; diversas lesões anais, tais como a laceração da mucosa anal, sangramentos e perda do controle esfincteriano em situações onde ocorre aumento da pressão
abdominal."

De acordo com as informações do autor, mesmo não existindo todos esses tipos de lesões físicas, são sempre prováveis danos psíquicos que se manifestam em mal-estar difuso: "(…)impressão de alterações físicas; persistência das sensações que lhe foram impingidas; enurese(emissão involuntária de urina) e encoprese(emissão involuntária de fezes);ou dores abdominais agudas; crises de falta de ar e desmaios; problemas relacionados à alimentação como náuseas, vômitos, anorexia ou bulimia; interrupção da menstruação mesmo quando não houve penetração vaginal." Enfim, o autor explica que foram comprovados danos ao desenvolvimento do cérebro, provocando danos temporários ou permanentes na estrutura do mesmo.

Como explicado, este crime provoca vários danos às vitimas, mas o mais doloroso, muitas vezes não é o agressor que provoca, mas a própria sociedade e quem visualiza de forma errada os acontecimentos. Pois as vitimas, naturalmente, tendem a se culpar pelo ocorrido, por não ter percebido este tipo de interesse e ter se afastado
antes dos fatos, por não ter tido a coragem de pedir ajuda, dizer não, ou por sentir ter provocado por inocência ao agressor, com um abraço ou um beijo inocente de quem está começando a descobrir o mundo ao seu redor.

Ao contrário do esperado, a sociedade culpa estas crianças e adolescentes por algo que não tinham o menor controle, rendendo impossível combater o crime, porque as vitimas não podem se abrir por medo de serem condenadas junto com o agressor. Mas é necessário acreditar na famosa frase do filosofo grego Sócrates "O homem faz o mal, porque não sabe o que é o bem", e esperar que com a conscientização da população, sobre o quanto já é grande o sofrimento derivado destes acontecimentos para as vítimas, a sociedade poderá finalmente ajudá-las.

*Acadêmica de direito da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete. Pesquisadora no projeto ECA nas escolas.

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