Publicado em 13 de novembro de 2020
Tags: Direito no Alvo, Repositório Institucional
Há um tempo me foi apresentado um pensador, Karl Popper, que, para ilustrar a ideia de uma comunidade usou da figura de uma nuvem de pernilongos: nela não há uma autoridade que exija que os demais pernilongos estejam em volta de si, são todos iguais, há apenas uma espécie de centro gravitacional que, intuitivamente, a todos atrai. Poderia ser considerada um bom exemplo de sociedade democrática, igualitária e livre, afinal ninguém obriga que o pernilongo ali permaneça, todos são livres para deixar a nuvem e todos são iguais entre si. Mas, bastaria liberdade e igualdade para se construir uma democracia? Qual liberdade e qual igualdade permite esta construção? Seria objetivo de um povo ser uma sociedade semelhante ao conglomerado de pernilongos? O que falta à comunidade de pernilongos para ser uma sociedade democrática?
A Constituição Brasileira traz no em seu bojo esta resposta: para a construção de uma democracia não basta compreender que todos são iguais, é necessário garantir a dignidade da pessoa humana que é expressão de sua individualidade. Há que ser também garantido o pluralismo político que traz em si o conceito de divergência. O mesmo brilhante pensador ao discorrer sobre a comunidade de pernilongos, destaca a impossibilidade de aquela comunidade ser chamada de democracia porque nela não há pluralismo: a inexistência da individualidade dos pernilongos, faz que vejamos apenas uma nuvem: os seres que pertencem à nuvem é para nós – e para os próprios pernilongos – irrelevantes.
Daí a importância de haver convergência de opiniões expressa por indivíduos e grupos que irão representar o poder de um povo. O povo não é uma comunidade de pernilongos. Cada indivíduo que compõe o povo é um ser importante, com seus sonhos, desejos, necessidades. Os representantes do povo deverão em suas opiniões e atos expressar não a sua vontade individualizada, mas a vontade deste povo que representa e que é tão diferente dos pernilongos!
Por isso, nós, enquanto povo, devemos buscar compreender as funções dos políticos que escolhemos para nos representar e não acreditar que a democracia se resume ao voto. São necessários um diálogo e uma fiscalização constantes de nossos representantes para que suas ações sejam o reflexo da vontade convergente de um povo e não de um indivíduo ou pequeno grupo. A democracia não se realiza no voto, o voto é o primeiro passo, é ali que o trabalho de um povo que quer se construir em democracia representativa se inicia. Também não é a homogeneidade o objetivo de uma democracia, seu objetivo é permitir que cada indivíduo possa expressar-se em sua individualidade e os diferentes possam conviver harmonicamente. Democracia dá trabalho, mas ainda é o melhor regime que inventamos.
Jaíne Gláucia Teixeira Ank
Professora de Prática Jurídica da FDCL e Mestranda na linha de pesquisa da PUC-Minas: O processo na construção do Estado Democrático de Direito.