Publicado em 08 de outubro de 2022
Tags: Direito no Alvo, Repositório Institucional
O Brasil é um país laico, e consta na Constituição Federal de 1988 o art. 5°, inciso VI, a seguinte garantia: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.” Então, quando alguém age de forma intolerante, ela vai contra a Constituição. As pessoas pregam sobre amor, empatia, fraternidade, caridade e paz, mas agridem as pessoas que não compartilham da mesma crença, resultando em atentados, seja com ataques verbais as endemonizando, apedrejando-as ou até mesmo atiçando fogo em seus templos.
Na legislação infraconstitucional, o Código Penal, prevê que “Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa. Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.”
Quando se fala sobre Intolerância Religiosa, falamos sobre racismo, xenofobia, preconceito e ignorância. Em pleno século 21, as pessoas ainda não sabem lidar com aquilo que é diferente. A falta de informação e de interesse em buscar entender o próximo, vai acabar com a humanidade. O mundo, ao invés de evoluir, retrocederá, e isso não pode acontecer.
A liberdade religiosa, por sua vez, abrange o livre exercício de consciência, crença e culto. Ou seja, alcança a escolha de convicções, de optar, ou não, por determinada religião, de empreender proselitismo e de explicitação de atos próprios de religiosidade. A esse respeito, invocando a doutrina de Canotilho, na sua obra Constituição da República (2007, p. 609): “A liberdade de consciência consiste essencialmente na liberdade de opção, de convicções e de valores, ou seja, a faculdade de escolher os próprios padrões de valoração ética ou moral da conduta própria ou alheia. A liberdade de religião é a liberdade de adotar ou não uma religião, de escolher uma determinada religião, de fazer proselitismo num ou noutro sentido, de não ser prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou antirreligiosa. A liberdade de culto é somente uma dimensão da liberdade religiosa dos crentes, compreendendo o direito individual ou coletivo de praticar os atos externos de veneração próprios de uma determinada religião.” O Supremo Tribunal Federal decidiu que “O direito à liberdade religiosa é, em grande medida, o direito à existência de uma multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de toda a multiplicidade de fés protegida constitucionalmente – na chamada tolerância religiosa. Há que se distinguir entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores). Um é tipicamente a representação do direito à liberdade de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque ao mesmo direito.” (RHC 146.303, rel. p/ o ac. min. Dias Toffoli, j. 6-3-2018, 2ª T, DJE de 7-8-2018)
Um exemplo claro de intolerância ocorreu com a Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda de Ogum, que faleceu em decorrência de um ataque motivado por intolerância religiosa. O terreiro de Gildásia foi depredado, e depois de dois meses no dia 21 de janeiro Gildásia sofreu um ataque cardíaco fulminante após ver uma publicação em um jornal com sua foto e trazia em conjunto uma manchete de tom imoral. Em 2007, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu que o dia 21 de janeiro seria o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, como forma de homenagem à Mãe Gilda.
Certa vez, a budista Monja Coen falou a seguinte frase: “Hoje eu sei que somos corresponsáveis pela realidade em que vivemos, pelo mundo em que estamos e que não adianta reclamar, é preciso agir para transformar. […]”, portanto é necessário que o ser humano enfrente o medo do que não conhece e tome a iniciativa de buscar conhecimento, deixando a venda da ignorância de lado e colocar em prática o respeito ao próximo.
Fica o registro, contudo, da célebre frase do escritor francês Victor Hugo: “a tolerância é a melhor das religiões”, bem como o desejo explicitado por José Saramago: “Eu acredito no respeito pelas crenças de todas as pessoas, mas gostaria que as crenças de todas as pessoas fossem capazes de respeitar as crenças de todas as pessoas.”
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