Publicado em 26 de fevereiro de 2023
Tags: Direito no Alvo
Desde o ano de 1974, o Instituto Brasileiro de Estatística e Pesquisa (IBGE) divulgava anualmente as Estatísticas do Registro Civil cujo objetivo é acompanhar a evolução da população brasileira através da compilação dos números de nascidos vivos, casamentos, óbitos e óbitos fetais, além de divórcios judiciais e extrajudiciais registrados nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais do país. Em que pese os dados mais detalhados a respeito de divórcio datarem de 2019, os números apresentados apontam as tendências na organização das famílias e os desafios jurídicos que batem às portas do Judiciário em busca de reconhecimento.
Um desses desafios se refere justamente à ausência de regulamentação das figuras de padrastos e madrastas na legislação brasileira, apesar de serem membros presentes em diversas configurações familiares. Isso porque, conforme aponta os dados de 2019, observou-se que a maior proporção dos divórcios ocorreu em famílias constituídas somente com filhos menores, atingindo, na época, 45,9% das dissoluções. Somando este número à realidade do clássico modelo de guarda no Brasil que a determina unilateralmente à mãe, com visitas paternas a cada 15 dias após a separação (atenuada com as leis de guarda compartilhada), a relação de padrastos, madrastas e enteados cresce de importância não somente em razão da sua quantidade nas famílias recasadas, mas das repercussões nas questões quotidianas como convivência familiar e assistência material.
Todavia, no que se refere às questões de convivência e assistência material, essas figuras da família contemporânea se encontram na zona cinzenta do Direito de Família, com decisões judiciais espaçadas eventualmente reconhecendo questões como direito a alimentos e convivência entre padrastos e enteados após a ruptura da conjugalidade. Nesse contexto, qual seria, por exemplo, o lugar de padrastos e madrastas na autoridade parental?
Um exemplo de solução encontrada no âmbito jurídico pode ser vislumbrado no recente Código Civil y Comercial de la Nación argentino, promulgado em 2014. Assim, é disposto que é dever do padrasto/madrasta cooperar com a criação, educação e cuidados dos enteados. Também é prevista a possibilidade de delegação da autoridade parental expressa, de comum acordo entre os pais, para que o padrasto ou a madrasta exerça certas funções caso um dos pais não esteja em condições (por viagem, doença, incapacidade transitória). Além disso, é previsto que, em caso de ruptura conjugal, ficam resguardados os direitos aos alimentos para o enteado (em caráter subsidiário) fixados por um determinado lapso de tempo.
Além da Argentina, diversos outros países já incorporaram em suas legislações regras relativas aos lugares familiares de padrastos e madrastas, reconhecendo a existência complementar deles no âmbito da parentalidade dos enteados. Ainda falta no Brasil debates ampliados sobre o tema, o que evidencia ainda mais a sua necessidade diante da realidade das configurações familiares contemporâneas no país.
Isabel Prates de Oliveira Campos – Professora da Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete – FDCL