Publicado em 03 de setembro de 2021
Tags: Direito no Alvo, Repositório Institucional
Homens e mulheres em um casamento precisam escolher como irão administrar a vida familiar, dentre essas escolhas está se e quando irão ter filhos em comum, mas não deixam de serem indivíduos com direito a autodeterminação.
Entretanto, no início do mês de agosto de 2021, a mídia brasileira veiculou notícia da prática abusiva e ilegal, por parte de algumas operadoras de planos de saúde, de exigir que mulheres casadas apresentassem o consentimento expresso do marido como condição para implantação do DIU – Dispositivo Intrauterino.
O DIU consiste em uma opção anticoncepcional não-cirúrgica, segura e recomendada até mesmo para pacientes adolescentes e em situações em que o uso de outros métodos hormonais não são uma alternativa. O procedimento é altamente eficaz para a inibição da chegada dos espermatozoides ao útero, tem durabilidade entre 03 e 12 anos, a depender do material de sua composição, não causa prejuízo à fertilidade após a sua retirada e, além disso, é reversível.
O método é indicado para além da contracepção, sendo igualmente destinado à qualidade da saúde íntima feminina, como, por exemplo, forma de prevenção primária de câncer do endométrio, tratamento de endometriose, proteção contra doenças inflamatórias pélvicas e diminuição do fluxo menstrual,
A Resolução Normativa 465/2020, expedida pela Direitoria Colegiada da ANS, acentua que tanto o próprio dispositivo – hormonal ou não, quanto a sua implantação, é de cobertura obrigatória pelos planos de saúde.
Os planos de saúde afirmam que a exigência da outorga marital fundamenta-se no parágrafo 5º, artigo 10 da Lei nº 9.263/96, que versa sobre o planejamento familiar no território brasileiro, ao estabelecer que durante a vigência da sociedade conjugal é imprescindível o consentimento expresso dos cônjuges para a execução de procedimentos contraceptivos que resultem em esterilização definitiva de qualquer das partes. Ressalta-se que a constitucionalidade do próprio dispositivo é questionável ao permitir a ingerência do Estado e do cônjuge em prejuízo ao direito de escolher as regras que vão reger o próprio corpo e destino do indivíduo.
Fato é que a legislação atual limita a exigência de concordância conjugal aos métodos de vasectomia (homens) e laqueadura tubária(mulheres) por serem métodos esterilizantes e de improvável reversão. O DIU é apenas método contraceptivo.
A mulher, independentemente de seu estado civil, tem direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez indesejada, de relacionar-se sexualmente independentemente de reprodução, de acesso aos serviços de saúde que garantam respeito à sua privacidade e sigilo no atendimento e, especialmente, a livre decisão sobre a própria fecundidade.
Ressalta-se que o inciso III, artigo 7º da Lei Maria da Penha proíbe que o marido interfira na escolha de uso de contraceptivos, configurando crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, portanto, a exigência neste sentido é totalmente desprovida de qualquer fundamentação legal e reflete uma tradição a ser ultrapassada de colonização e manipulação do corpo feminino por práticas de dominação masculina e da redução da mulher no casamento às suas funções biológicas.
O casamento, instituição fundamentada na confiança mútua, não anula a autonomia de nenhum dos cônjuges. Exigir a autorização para uso de um contraceptivo é exigência arbitrária e lesiva à liberdade, privacidade, segurança, autodeterminação e dignidade da mulher.
Jornal Correio: http://www.jornalcorreiodacidade.com.br/colunas/2811-quem-manda-no-corpo-da-mulher-casada
Romana Fateixa
(Aluna do 10º período da FDCL, estagiária na 9º Promotoria de Conselheiro Lafaiete, monitora da disciplina de Direto Civil na graduação e participante do grupo de estudos em Bioética e Biodireito)
Jaíne Gláucia Teixeira Ank
(Professora de prática jurídica Cível da FDCL, mestranda em Processo de Construção do Estado Democrático de Direito pela PucMinas e presidente da comissão de Direito de Família da 2ª subseção da OAB/MG)